quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

vagarosamente.

tem pressa. se deu conta cedo de a vida ser só uma olhadela na escotilha do mundo. e o céu um caminho em qualquer lugar. para qualquer lugar. pudesse, montaria numa pipa vestida de bob marley. cruzaria horizontes. lentamente. atravessaria os próprios sonhos trajando alegria. mas está preso. a si. a ontem. a outro. e tudo é memória. tem doce amargo. um amargo ruim, diferente do chocolate amargo. amado. sabe isso ser desperdício de tempo. o precioso tempo. daí a pressa. mas passado não passado é presente. é vivente. é futuro. é que nem o tempo, que passa. mas fica. deixa visita. (deixa) marca. pudesse, daria nova corda ao relógio. até viver tudo. andarilhar tudo. bisbilhotar tudo. impossível uma só vida para tantos mundos dentro de um mundo. o mundo é redondo, ora mais! roda. se reinventa. morre. desmorre. renasce. se é assim, "a gente também renasce, ué!". tinha certeza disso. mesmo assim, era pressa. via no esperar um negar tempo ao próprio tempo. porque o tempo também se visita. ele só não envelhece. pudesse, colocaria rugas no tempo. só pra ele sentir o peso de si. e desacelerar. pra gente poder espiar pela escotilha do mundo montado em pipas vestidas de bob marley. va-ga-ro-sa-men-te.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

enfermidade.

ainda não aprendeu a amar o amor. ainda desaparece no outro. ou sonha com o dia desse desaparecimento. ou os dias. porque, no plural, seria ainda melhor. seria indefinitivo (?). ainda enxerga num qualquer a chance de ver a si. ainda espera uma pegada na areia ao lado da sua. ainda sonha com dias anoitecidos num calor e amanhecidos em outro, próximo, saciado. ainda faz traçados de itinerários para sonhos a dois. quem sabe a três? alguns são a longo prazo. daria tempo (?). ainda quer a contramão dos absurdos da solidão. cansou dos benefícios dela, que se tornou medicação um tanto ineficaz para sua enfermidade. a enfermidade do "ainda". ainda brilha o olho ao receber promessas em forma de sorriso. ainda presenteia. e bem recebe afagos em troca. mas gratidão às vezes é sinônimo de frustrante. no dicionário dele, é quase sempre. cauby ainda precisa desaprender muita coisa para aparecer de verdade, enxergar de verdade (e não apenas ver), sonhar com dias de verdade, pegar a contramão real e ter um brilho menos fosco no olho para, assim, ser presenteado. ele precisa desamar para amar. ainda. mas até quando? até?

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

um redescobrir.

as luzes da árvore de natal eram a única claridade da sala. a escada de madeira era vulto. a cadeira de balanço da senhora-quase-sem-memória era vulto. as plantas e pedregulhos do jardim de inverno eram vulto. a guirlanda colorida era vulto. o cachorro era vulto. a vida era vulto. e o garoto chorou. o breu lhe elucidou o quanto o tempo passava numa velocidade morosamente incalculável. era quase uma coisa sólida, de tão pesada e imprevisível. ele tinha mundos demais para viver. alguns deles mortos. outros doentes. milhares de outros feitos de expectativa e sonho. afora o seu, notadamente fragilizado. desde sempre. para sempre (?). estava ele ali, sem subterfúgios. nu de alma. também de corpo. sentia o frio do chão como o do vento corrente lá fora. corrente e cortante. no corpo e na alma. estava ele ali por não enxergar saída da escuridão. da solidez dos dias. da vagarosidade dos ponteiros. queria desistir. de tudo. até o rompante do recomeçar. conheceu o escuro como quem visitou a si. viu na solidão um redescobrir.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

rendas brancas.

fica ali, diante do mar. imóvel. quase invisível para quem passa. e compreende. mar é oceano por cada gota d'água ter sua importância. mas cada gota d'água carrega sua desimportância diante do tamanho da liquidez a qual pertence.

a mulher está despida de palavras. de medos. de coragens. tem apenas pegadas acumuladas de outras areias. de outras rendas brancas estendidas num corredor amarelo e afofado.

a mulher carrega um coração do tamanho que enxerga o mundo. conta e reconta memórias. todas repetidas. o mar como horizonte. fim e começo.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

senhor do tempo.

Dos olhos, só lembre da luz
Inventando o que ainda não existe,
E imagine o que pode ser
Guardado além dos segredos,
Onde somos partes iguais.

Dos beijos, não esqueça...
E sempre queira poder sentir o gosto.

Os sussurros do tempo? Leve por onde for...
Leve a lugar algum, não interessa!
Importa sim não deixá-los para trás.
Viva aqui antes de fazer algo errado
E não ter ninguém mais pra dividir.
Invente o que não foi feito...
Reinvente o que já existe.
Agora faça tudo de novo.

(escrito de 2009)

castanha doce.


Jamais esquecerei do sorriso da menina que
Um dia conheci num turbilhão de pessoas
Lamentando-se do passado ou do que viria.
Irradiando alegria, ela mudou o que havia em volta.
Ascendeu o apagado e encheu o vazio,
Nasceu onde morrera e
Abriu caminhos não mais percorridos.

Rabiscando passos, percebi não ser só uma menina.
O que tinha se tornado era algo maior,
Digno de uma mulher; uma verdadeira guerreira.
Rabiscando gestos, percebi que,
Ingenuamente, és uma menina-mulher...
Gigante por fora e por dentro.
Unicamente porque sabes que assim és mais forte.
E porque podes o que queres e quando queres,
Sem a preocupação das coisas futuras.

Como se tivesse um sol no coração,
A menina entre as inúmeras pessoas cegas pelo antigo e pelo novo
Sabia da importância do viver pelo viver, e
Tudo ao seu redor era único, como ela
A graça das palavras que saíam daquela boca
Não estava no simples falar, mas sim no
Hábito de as entender na sua ingenuidade e na visão de que
A vida que só faz sentido se a menina ainda não se sente uma mulher por completo.

(escrito de 2005 tão cheio de palavras ingênuas quanto de amor pela inspiradora delas)

um reino, duas rainhas.

o reino onde o garoto vive tem duas rainhas. é único por ser assim. elas são gêmeas. siamesas de brandura e bondade. e irmãs de velhice, não de nascimento. quase centenárias. uma enxerga as rugas como marcas deixadas pela vida para lembrá-la do quanto ela caminhou. de como foi capaz de mudar destinos, especialmente o do garoto. a outra ressente-se do andar dos ponteiros. sequer usa relógios. costumava levar um no pulso quando mais nova. toda vez que o consultava, sentia como se o tempo tivesse levado um empurrão. de tão antagônicas, as rainhas tornam-se uma só. se parecem até nos queixumes das dores. como se assimilaram nos saltos de aflições disfarçadas de precipícios-quase-abismos, nos nados sincronizados de felicidades (delas e dos outros, nem que fossem estranhos)...as duas rainhas vivem num castelo verde que nem floresta. porque viver é caminhar na esperança.